sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O texto de uma boa nota!!!

Baobá sagrado contendo túmulo de griots (Reserva Bandia, Senegal).


BENJAMIN, Walter. Considerações sobre a obra de Nicolai Leskov. In: BENJAMIN, Walter. Magia, técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e a história da cultura. 7ªed. São Paulo: Brasiliense, 1994.





A narrativa, forma artesanal de perpetuação da memória, caminha para a extinção conforme aborda Walter Benjamin no artigo: “Considerações sobre a obra de Nicolai Leskov”. As hipóteses da previsão benjaminiana são as mortes ocorridas no seio das narrativas, ligadas aos elementos que a configuram e constituíram-na durante os séculos imortalizando ricas histórias.

Inicialmente, Benjamin traça apreciações sobre o narrador e suas experiências. Este elemento essencial à narrativa aparece em um pólo distante de nós e que se distancia cada vez mais pelo fato de não aparecer em sua atualidade viva. Contudo, o narrador necessita das suas experiências de vida para efetivar o corpus da narrativa. Ele não está vivo na narrativa, mas, suas impressões digitais, sim.

Há, segundo o autor, dois tipos de narradores: o camponês sedentário e o marinheiro comerciante; o primeiro compõe o estilo conservador primando pelo legado autóctone, as tradições e histórias da sua terra; ao passo que o segundo, pelo caráter de viajante, acrescenta às narrativas as imagens construídas durante suas viagens, os recortes de outras culturas. Benjamin assinala que ambos são de essencial importância para a fortificação da narrativa, apesar da distinção entre os dois.

Cabe salientar que, a vitalidade da narrativa encontra-se na convergência entre o narrador conservador e o narrador viajante porque os dois anexam na narrativa a sabedoria resguardada na memória, emergente das reminiscências dos narradores através, principalmente, da oralidade que definha a partir do nascimento do romance. Momento paradoxal: nasce o romance, morre a narrativa. É a 1ª morte do peculiar modo artesanal de contar histórias.

A narrativa carrega em seu cerne os relatos dos ouvintes e do narrador; possui dimensão utilitária servindo como ensinamento moral, religioso, sugestivo; é capaz de fortalecer conhecimentos, tradições, memórias. Em contrapartida, o romance apresenta-se distante do autor, do público. Benjamin ressalta que o romancista ao escrever isola-se, vive apartado da vida, relata fatos e experiências de outrem, histórias reais ou fictícias sem conter traços das suas ações.

O florescimento dessa nova forma de registrar fatos, sua difusão e permanência, consolidou-se no meio burguês graças ao advento da imprensa que, acarretou também o surgimento de outro modo influente de comunicação tão nocivo para a narrativa quanto o romance: a informação. Conforme Benjamin, ela propaga imediatismos compreensíveis, em outras palavras, a informação é rápida, hermética, verossímil e explicável.

O conflito entre informação e narrativa se situa na fidelidade que a primeira oferece ao publico enquanto a segunda forma de comunicação recorre ao fantástico imaginativo; a informação é instantânea e conclusa, sua apropriação e permanência é passageira, visto que é carregada de explicações tornando-a assimilável em pouco tempo. Já a narrativa é tecida a cada vez que é contada, não suporta explicações, o leitor/ouvinte dispõe de liberdade para compreendê-la como preferir. A disparidade informação/narrativa intensifica-se com a hegemonia do imediatismo ocasionando a segunda morte da técnica manual de comunicação, enfatizada por Benjamin.

A terceira morte da arte de narrar, decorre da idéia de conservação e prestígio da memória. Walter Benjamin ressalta que, durante a Idade Média o morrer era um episódio público, os indivíduos experientes, veteranos narradores, fiéis ao ofício eram acompanhados nos últimos anos de sua vida, pois sua riqueza deveria ser perpassada para os herdeiros mais jovens: a memória. Com o surgimento e fortalecimento da informação, bem como dos registros romanescos distantes, a narrativa declina porque a memória, elemento crucial desta arte, perde-se na formalização escrita, na agilidade de informações, na desvalorização das experiências de vida.

A memória é de fato a deusa da narrativa, em companhia dela o narrador não caminha sozinho entre suas narrações, existem ligações dos acontecimentos vividos em outras épocas, relatados por outras pessoas, habitados nos ouvintes. Benjamin diz que “quem escuta uma história está em companhia do narrador; mesmo quem lê partilha dessa companhia. [...]”, o romance não permite tal aproximação; autor e leitor são dois solitários, encontram-se e permanecem no vácuo, antes, durante e depois da produção do romance.

Em suma, a narrativa apresenta-se como forma artesanal de comunicação pelo seu caráter de possibilitar a impressão da marca do narrador na sua construção, assim como inserir o olhar do ouvinte/leitor, aprofundar conhecimentos, guiar caminhos, preparar para a vida. O narrador ao expor suas ações vividas na narrativa figura como sábio aconselhando, ensinando de maneira significativa e profunda, sem explicações demasiadas, a grandeza e relevância da vida.

2 comentários:

Clédson Miranda disse...

Quando vi a foto que encabeça esta postagem, lembrei-me de meus momentos aí em Riacho, querida Lindy!

Que coisa louca essa, ir visitar cemitérios alheios para entender as memórias locais! Ainda custo a acreditar que lhe fiz passasr por essa empreitada de me apresentar a cidade a partir da ótica da morte, da fugacidade, da impermanência... mas a vida é isso: viver é deixar de ser... é perder e perder-se também!

Lembra que lhe falei da bela história do Abelardo e da Heloíse? Eis o link de uma postagem que o Transcendência traz sobre esta narrativa na "voz" do Rubem Alves: http://neonopaisdamatrix.blogspot.com/2009/02/porque-metade-de-mim-e-amor.html .

Abraços ternos, minha amiga,
Clédson

Paula: pesponteando disse...

E nem me surpreedi com esse texto, já sabia que estava ótimo...é apenas questão de confiança em si mesma....bjs

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